Educação, uma função antiga e partilhada
Na continuidade do post anterior intitulado "A função educativa da escola: ser e parecer", deixo aqui mais alguns pontos de reflexão sobre a temática.
A educação é a
função mais antiga da escola, embora, desde sempre a partilhe com outras
instituições, nomeadamente, a família. Hoje é consensual que a educação é um
direito de todos e que está consignada na Declaração Universal dos Direitos do
Homem (artº 26 e 27) e na Declaração dos Direitos das Crianças (artº 28);
aliás, um direito que está consignado na Constituição da Republica Portuguesa
de 1976 no seu artº 2, nº 1 e na LBSE de 2005 (e também na anterior de 86) artº
2, nº 1.
Como podemos
verificar, pelos documentos supraditos, o direito da criança à educação ainda
que seja um dever e uma tarefa que deve ser partilhada com a família; à escola
cabe uma missão e tarefas específicas. Segundo a Convenção dos Direitos da
Criança, cabe ao Estado (neste caso à escola que o representa, mas também a
outras instituições) «assegurar progressivamente o exercício desse direito na
base da igualdade de oportunidades» (artº 28, ponto 1.). Nesse mesmo ponto,
alínea f) pode ainda ler-se em relação à função do Estado: «Tomam medidas para
encorajar a frequência escolar regular e a redução das taxas de abandono
escolar.
O artº 29 da
mesma Convenção, dá particular relevo aos objectivos da educação, a qual deve
destinar-se a promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus
dons e aptidões mentais e físicas, na medida das suas potencialidades. Deve
ainda preparar a criança para uma vida adulta activa numa sociedade livre e
inculcar o respeito pelos pais, pela sua identidade, pela sua língua e valores
culturais, bem como pelas culturas e valores diferentes dos seus.
A educação é
deste modo considerada mais que um mero processo de transmissão de
conhecimentos, ela é sobretudo um espaço de formação integral dos cidadãos
(Silva, 2002). O culto da sabedoria é, entre outras, uma função educativa da
escola, e caminho para melhorar o mundo (Linguiça, 2007c). Condição sine qua
non, o resultado é a sua degradação, ou seja, «Mais do que pobres,
tornamo-nos inférteis» (Couto, 2005, 11). Porém, tem que existir um certo
equilíbrio nesse processo de transmissão cultural (ensino) -, um trabalho
pedagógico complexo que não se deve limitar a inculcar nos alunos uma imposição
cultural arbitrária (Bordieu & Passerron, 1970) mas deve desenvolver o
espírito crítico do aluno (LBSE, 2005, artº 7).
Ter
consciência dessa realidade é razão suficiente para um cuidado particular para
não negligenciarmos a verdadeira função da escola – educar (Patrício,
1988). A transmissão de conhecimentos e o desenvolvimento de competências, não
pode estar aliada de uma outra função da escola não menos importante, a da
transmissão de valores humanos (Quintana Cabanas, 2005; Silva, 2002; Torres
Santomé, 1995). Só neste âmbito, de uma educação integral, ou seja, de uma
formação do “homem todo”, é possível atingir o sucesso educativo «essencial
para a realização dos indivíduos e o progresso na sua formação, no sentido dos
valores humanos e (…) integração na vida activa, como cidadãos e participantes
empenhados na comunidade» (Silva, 2002, 455), dando assim, resposta às
exigências e necessidades do nosso tempo.
A própria LBSE
no seu artº 2, nº 4 apela para o «desenvolvimento
pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos incentivando a formação de
cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão
humana do trabalho». Mas logo de seguida, no mesmo artigo, nº 3 alínea a) pode
ler-se «O estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a
cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas,
ideológicas ou religiosas».
Levanta-se de
imediato uma interpelação: se o estado se demite de apresentar um referencial
de valores, a quem cabe essa tarefa? À escola? À família? Ou a ambas? Caberá à
escola definir esses valores que considera (com valor) como metas educacionais
do seu Projecto educativo?
(continua...)
In, Linguiça, M. F. (2008). Orientações Curriculares: da diversidade à (des)igualdade de oportunidades. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (pp. 22-23).
Referências Bibliográficas:
Bourdieu, P. & Passerron, J-C. (1970). La reproduction: elements por
une théorie du système d’enseignement. Paris: Les
Éditions de Minuit.
Couto, M. (2005). Pensatempos. Lisboa: Editorial Caminho.
Couto, M. (2005). Pensatempos. Lisboa: Editorial Caminho.
Linguiça,
M. F. (2007c). Metamorfoses em educação e o elogio do conhecimento (Texto
policopiado, pp. 2).
Quintana Cabanas, J. A. (2005). Crítica pedagógica de los
sistemas educativos occidentales [Versão electrónica]. Ensaio: aval. pol. públi.
Educ.. Rio de Janeiro, V.13, nº 46,
55-66. Acedido em 27 de junho, 2006, em http://www.scielo.br/
Torres Santomé, J. (1995). O Currículo Oculto. Porto: Porto Editora.
Silva, L. M.
(2002). Bibliotecas escolares e construção do sucesso educativo. Braga:
Universidade do Minho. Centro de Estudos em Educação e Psicologia, Instituto de
Educação e Psicologia, (Originariamente, Tese de Doutoramento em Educação
apresentada à Universidade do Minho em 1998).
Outras:
Convenção dos
Direitos das Crianças (1989). Acedido em 12 Agosto, 2007, em http://www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101111&m=2
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, publicada em Diário da Republica a 9 de Março de 1978.Lei nº 46/86 – Lei de Bases do Sistema Educativo (1ª LBSE).
Lei nº 49/2005 – Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE).
Comentários