Hora da Poesia
Sucessão Primária
a
minha alma era uma rocha nua.
Tinha
estado resguardada, protegida,
Pelas
necessidades mais prementes de sobreviver.
Entretanto,
chegou à superfície,
Porque
era tempo, apenas.
Vulnerável
e frágil,
Enrolou-se
sobre si mesma,
Endureceu
e ficou impermeável e serena.
Depois
a Vida
Encarregou-se
dos choques necessários
E
fê-la estalar e abrir fendas.
Foi
um processo lento, incómodo e surdo
Mas
que abriu caminho a coisas inesperadas.
Foi
essa camada então formada,
Simultaneamente
dura e frágil,
Realmente,
Que
recebeu em si as palavras amigas,
Os
sorrisos, os gestos não esperados
E
por isso mais caros
E
fez deles plantas pioneiras.
Talvez
também o adubo necessário,
Para
as seguintes, mais fortes e urgentes,
Sucedendo-se
a um ritmo diferente.
Quando
a tal rocha nua percebeu
Que
já não era rocha, era quase um jardim.
Estrebuchou,
como lhe competia
(afinal,
é o que faz qualquer rocha que se preze...)
isto
é, estrebuchou desajeitadamente
com
o único resultado de abrir mais profundamente
as
feridas de lutas primitivas,
quase
cicatrizadas,
o que permitiu criar raízes
profundas ao que existia.
Julgo que foi assim,
Daquela rocha nua, vulnerável,
Ao sol e chuva da minha Vida
Que nasceu uma floresta onde há
ninhos.
(Não sei porquê, acho que é
importante haver ninhos,
é importante poder ouvir cantar
os pássaros
e eles calam-se à noite
quando o que importa é o silêncio
e o rumor das folhas).
É uma floresta ainda em
crescimento
mas com todas as promessas que
uma floresta tem.
Quer isto dizer
que, quando se chega a ser uma
floresta
só um cataclismo natural
ou a acção inadvertida do Homem
a pode destruir – é já uma
comunidade clímax
Mas quer dizer também
Que uma floresta está sujeita a
incêndios,
quando o Sol é imprevidente
E às torrentes dos dias violentos
E à força livre dos grandes
vendavais
( e até à intrusão dos que vão
fazer pic-nics
sem serem convidados...)
Mas, mesmo assim,
Uma floresta ... é sempre uma
floresta
Que envolve e protege os
viandantes.
Carmo Cruz
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