Da Poesia de Sophia de Mello Breyner


O Centro Nacional de Cultura organiza a 27 e 28 de Janeiro de 2011 um Colóquio Internacional dedicado a Sophia de Mello Breyner Andresen, que decorre na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

A primeira sessão, presidida por Paula Morão, conta com a participação de Nuno Júdice, Rosa Maria Martelo, Manuel Gusmão e Eucanaãn Ferraz.

Na conferência intitulada “Luz e desenho na poética de Sophia”, Nuno Júdice observa que «a poesia constrói-se sobre uma imagem calculada e enquadrada no discurso poético por uma relação entre o som que as palavras produzem e o desenho que as recorta no universo poético com o rigor de uma luz que as acompanha no momento da escrita».

«A prevalência da visualidade na construção do mundo» da poetisa «parece inquestionável», embora, ao nível do verso, poucos «terão retirado tantas consequências da relação entre o som e o sentido», assinala Rosa Maria Martelo, que vai refletir sobre «esta (aparente) contradição».

Eucanaãn Ferraz parte do titulo do poema “Esteira e cesto” para pensar «o quanto a sua poética pode ser aproximada do trabalho de entrançar cestos e esteiras, considerando-se, com a poeta, que “no entrançar de cestos e de esteira” é “como se o tecedor a si próprio se tecesse».

Helder Macedo, José Manuel dos Santos, Jorge Fernandes da Silveira e Piero Ceccucci são os convidados da sessão seguinte.

«Para Sophia, a felicidade não se procura, encontra-se. “Irrecusável, nua e inteira”, está “no esplendor da presença das coisas”. Concreta, é “uma felicidade do mundo objetivo, sem a menor mancha de caso pessoal”. “Está no brilho do mar e no vermelho da maçã”, é encontro, revelação, epifania. É início e acordo», nota José Manuel dos Santos.

Para Jorge Fernandes da Silveira, «o Brasil, e por extensão o Novo Mundo, é a desejada metade atlântica a conhecer. Dum lado, o seu ibero-europeu, Clássico, lê-se uma das mais comoventes biografias poéticas escritas em língua de Camões sobre o imaginário português dividido entre a terra e a água. Paradigmáticos desse modo de ser portuguesa e de estar em Portugal são os poemas “Pátria” e “Inscrição”. Do outro lado, lê-se uma apurada atenção ao que há de diferente na figura do que se lhe apresenta como o de fora, expressão, a um só tempo, similar e distinta de si mesma».



«Enquanto em Pessoa, entre o eu poético e a Noite entrelaça-se uma relação intensa e dialogal, feita de invocações, de imagens de encantamento, vistas pelos olhos da alma; em Sophia, a Noite com a sua beleza doce e malincónica ganha um sentido envolvente e profundo de metáfora da infância, quase metonímia da própria infância, daquele estado de maravilha e inocência inefáveis, com que na primeira idade se olha para o mundo, corando-o com as cores eufóricas da esperança e da promessa», constata Piero Ceccucci.

A tarde abre com a presença de Giulia Lanciani, Paula Morão, Federico Bertolazzi e Carlos Mendes de Sousa.

Paula Morão lembra que Sophia «passou a infância entre duas casas do Campo Alegre, no Porto: a dos pais e a dos avós. A memória da casa e dos jardins sobranceiros à foz do Douro surge com força impressiva na sua obra, tanto na poesia como na narrativa».



Na conferência “O cântico da longa e vasta praia. Eco atlântico em itinerário mediterrânico”, Federico Bertolazzi procura «esboçar os contornos de uma geofilosofia poética que coloca o mar como centro da reflexão ontológica e existencial».

Carlos Mendes de Sousa propõe-se «analisar o modo como a poesia de Sophia testemunha a incessante busca que a metáfora da dança emblematiza; dança em que o ser “se perde e se desune e se reúne”».

A última sessão do primeiro dia prevê as intervenções de Perfecto Cuadrado, Frederico Lourenço, Maria de Fátima Freitas Morna e José Manuel Mendes.

Perfecto Cuadrado chama a atenção para «outros territórios da escrita frequentados – sempre dentro do espaço comum da poesia – pela autora: a tradução, o ensaio, as narrativas e os chamados “contos para crianças”», que serão objeto de análise do conferencista, juntamente com os «vasos comunicantes» entre eles e o resto da obra de Sophia.



«No livro "Dual" encontramos uma das mais impressivas expressões reflexivas da obra de Sophia: "o tempo apaga tudo menos esse longo indelével rasto que o não-vivido deixa"». A comunicação de Frederico Lourenço «procura determinar o que significa o "não-vivido" na poética de Sophia e que reflexões a seu respeito encontramos de modo explícito ou implícito na sua poesia».

Fátima Freitas Morna sonda os «núcleos imagéticos fortes que não só relacionam os poemas e os contos entre si como os projetam numa espécie de grande narrativa da criação, fragmentária e elíptica, capaz de permitir finalmente vislumbrar “o nome deste mundo dito por ele próprio”».

«Antes e depois do 25 de abril de 1974, Sophia distinguiu-se entre os escritores que resistiram, primeiro, à extinção da SPE pela ditadura salazarista, e pugnaram pela sua reconstituição, o que só aconteceria em 1973 com a criação da APE.» José Manuel Mendes recorda a «intervenção singular» da autora.



O segundo dia do colóquio começa com Alexis Levitin, Teresa Amado e Michel Chandeigne.

Levitin abordará os desafios envolvidos na «tradução da transparência», enquanto que Chandeigne fala sobre a receção de Sophia em França.

«Nas notas escritas por Sophia Mello-Breyner a propósito da tradução de Hamlet, que a ocupou ao longo de anos, revelam-se alguns aspetos essenciais do modo como ela lê o poeta inglês, ou de como a escrita de Shakespeare provoca e inspira a sua própria escrita.» Teresa Amado comenta alguns exemplos dessa tradução.

A segunda sessão da manhã conta com as participações de Pedro Eiras, Richard Zenith, Jaime Siles e Miguel Serras Pereira.

Em “A face noturna”, Pedro Eiras «procurará encontrar em Sophia, para lá dos deuses solares, uma versão violenta e tenebrosa do divino», numa leitura que desafia «a partir do excesso e do caos» que desafia «o mito nietzschiano da criação apolínea».



Partindo de uma análise do poema “Ressurgiremos” (do Livro Sexto), Richard Zenith examina «a natureza e o lugar da religiosidade no universo poético de Sophia de Mello Breyner», sobretudo na «convivência nele de um sentimento pagão com a fé cristã».

Jaime Siles olha para os «textos em que a ligação de Sophia a Camões é iniludível» e responde às perguntas: «Que textos escolhe? O que privilegia? Que formas de relação – evocação, apropriação, transformação… - cultiva? Até que ponto se distingue de poetas seus contemporâneos?».

A «rutura» de Sophia com o mito «salvaguarda e reitera a potência criadora da imaginação mítica, libertando-a da fixação e da ocultação que o “terror das origens” lhe impunha. O exemplo não é aqui o de um roteiro de viagem segura, mas o daqueles que “navegavam sem o mapa que faziam””», refere Miguel Serras Pereira.

Depois do almoço, tempo para o encontro com Fernando J. B. Martinho, Gustavo Rubim, Anna Klobucka e Antonio Tabucchi.



A comunicação de Fernando J. B. Martinho «visa estudar o diálogo de Sophia com Pessoa, definindo como ponto axial desse diálogo os poemas de “Dual” e de “O Nome das Coisas”, "Em Hydra, evocando Fernando Pessoa" e "Cíclades (evocando Fernando Pessoa)"».

Gustavo Rubim baseia-se em «certas aparições bem conhecidas de Ricardo Reis na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen - por exemplo, a secção III do livro “Dual”» - para «explorar o nexo entre forma e corpo como ponto onde se articula (se enuncia, se enreda e se desdobra) uma poética que quer ser ao mesmo tempo uma crítica, uma ética, uma estética e uma erótica».

«Partindo de uma leitura das duas máscaras míticas que a personagem transfigurada de Fernando Pessoa veste na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen (Orfeu e Odisseu/Ulisses)», a conferência de Anna Klobucka «interroga o funcionamento da diferença sexual no diálogo intertextual entre as obras e os sujeitos autorais dos dois poetas.»



Já Antonio Tabucchi «fala de uma viagem especial em que revisita alguns lugares celebrados por Sophia de Mello Breyner (Delfos, Templo de Poseidon, Cnossos, etc.), revendo-os à luz do sentido simbólico que os versos de Sophia lhes atribuíram».

A última sessão do colóquio tem a presença de Isabel Almeida, Sofia Silva e Clara Rocha.

Centrada num núcleo restrito de poemas, Isabel Almeida estuda a obra de Sophia e de Camões, com o propósito de perceber «em que medida é pertinente e em que medida se torna revelador o estabelecimento de pontes entre ambos».

Sofia de Sousa Silva descobre «uma possível relação entre Sophia de Mello Breyner Andresen e Adília Lopes», já que ambas «refletem sobre o que é a poesia e, ao fazê-lo, procuram uma solução para um problema legado pela modernidade: como conciliar a liberdade da arte com uma função social?»



«A relação de amizade entre Sophia de Mello Breyner Andresen e Miguel Torga, ao longo de várias décadas, teve expressão literária em diversos textos, e particularmente nas evocações e retratos que os dois autores nos deixaram nas suas obras», sublinha Clara Rocha, cuja comunicação incidirá sobre essas figurações a partir de inéditos e de textos publicados.

O colóquio termina com uma mesa-redonda com António Osório, Nuno Júdice, Armando Silva Carvalho, Gastão Cruz, Ana Luísa Amaral e Luís Quintais, com moderação de Ana Marques Gastão.

Inscrições e outras informações sobre o Colóquio aqui.

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