O Ministério da Educação visto pelo Físico Carlos Fiolhais



A palavra “monstro” para designar o Ministério da Educação é muito anterior ao mandato dos actuais ocupantes da Avenida 5 de Outubro. Numa entrevista ao “Expresso” o Eng.º Belmiro de Azevedo usou-a há anos sem papas na língua: “O Ministério da Educação sempre foi um monstro dentro de outro monstro que é a administração pública. Esse Ministério é o maior empregador nacional e deve possuir o maior teor de burocratas no sistema. Continua a gerir numa lógica de continuidade aquilo que existe, em vez de gerir numa lógica de base zero, por reformular o sistema por completo. Não têm existido verdadeiras reformas educativas.” Inquirido sobre a solução, respondeu: “Devia haver uma reforma que abrisse e descentralizasse o sistema de ensino. O Ministério devia ser um regulador, validador de currículos, da qualidade do exame e deixar o sistema funcionar, descentralizado.”

Mas o problema é que pouco mudou nos últimos tempos: o monstro continua monstruoso, com DREs, despachos, circulares, grelhas, etc. A pseudo-avaliação burocrática de professores que ele pretende impor a todo o país provém de uma velha e enorme máquina, que já devia ter sido esboroada. Parafraseando Kafka, burocrata é alguém “que escreve um documento de dez mil palavras e lhe chama sumário”. E os “sumários” não cessam de jorrar...

Os professores, que, na sua esmagadora maioria, marcharam em protesto em dois fins de semana sucessivos (num com e no outro sem sindicatos) pelas ruas de Lisboa, vieram dizer uma coisa muito simples: querem ensinar sem o monstruoso sufoco de que são vítimas. De facto, ensinar é o que sabem e gostam de fazer e é, aliás, o que é preciso que eles façam. O Ministério devia querer isso deles, mas a palavra parece banida do seu vocabulário. Se ele quisesse ensino, então precisaria mesmo deles, pois não há, obviamente, ensino sem professores.

Entre os professores, os melhores são os mais precisos. Para o seu apuramento é mister um processo de destrinça e de recompensa. Quero crer que a maioria dos docentes aceita um método de avaliação sério e competente, mas esse método terá pouco a ver com o caos que, burocraticamente, o monstro está a instalar nas escolas. Por outro lado, parece-me claro que os sindicatos não querem avaliação nenhuma, quanto mais não seja porque muitos dos seus dirigentes já não ensinam há muito tempo, e ficariam decerto chumbados se a qualidade do ensino fosse o factor decisivo na avaliação. O governo tem todo o direito de combater os sindicatos, cujos desígnios políticos estão bem à vista. Mas já não tem o direito de confundir reiteradamente os sindicatos com os professores e de agredir indiscriminadamente os segundos descarregando a sua raiva aos primeiros. Governo e sindicatos são dois monstros em luta pelo poder e nem professores nem alunos deviam ser vítimas dessa luta.

Certo é que muitos dos nossos melhores professores, para preservar a sua saúde mental, estão a abandonar a profissão, com manifesto prejuízo da qualidade do ensino público. O Ministério, ao deixar que os melhores mestres se afastem, comete um erro que irá custar caro ao nosso ensino, que irá custar caro a todos nós. Permite que o privado se distancie mais do público. Que os alunos mais desfavorecidos fiquem ainda mais desfavorecidos.

(continua)

In Público, 21.11.2008 (também publicada In De Rerum Natura)
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Adenda (10h45m):
Outro texto sobre o mesmo tema que vale a pena ler

- A Educação e o seu Mi(ni)stério (de Armando Vieira, Professor Coordenador do Instituto Superior de Engenharia do Porto)

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