"Os professores precisam de estabilidade"


"Se o poder político tem toda a gente contra, pode ter a maior das razões mas fica isolado e cai", diz Marçal Grilo.

A aposta que se está a fazer na qualificação está a dar resultados?
Pode-se dizer que um licenciado desempregado fica menos tempo à espera de emprego, mas há cada vez mais desempregados licenciados.
Há que distinguir cursos e cursos, designadamente no ensino superior. Temos um certo desfasamento entre algumas necessidades de quadros qualificados vindos das universidades e os que a universidade produz. Temos défice nas tecnologias, engenharias, informática e temos excesso de cursos cujo grau de empregabilidade é bastante mais baixo, nomeadamente nas áreas das humanidades.

Isso tem a ver com a aversão dos portugueses à Matemática?
Tem um bocado, mas há também algum défice de informação das pessoas. Hoje é difícil dizer a que profissões um determinado curso dá acesso. Deve ser feita uma política de grande informação sobre o que representam os cursos em termos de possibilidades de emprego.
Há um plano neste momento para a recuperação da Matemática e dos alunos com dificuldades. Conhece o plano?
Vamos ver os resultados, os exames do quarto e sexto anos vão dar alguma indicação sobre isso e vamos poder comparar.
O prof. Nuno Crato diz que não são comparáveis porque os tempos de prova foram alterados.
São mais difíceis de comparar, porque quando se alteram as regras-base a comparabilidade desaparece, mas é possível ter sempre uma ideia.

Mas não é esse o problema das mexidas na educação?
Aí estou com os professores, que se queixam muito das alterações sucessivas. Precisamos de serenidade e bom senso, porque as grandes guerras já não se ganham. Há um tempo para dialogar, decidir, unir, para separar, fazer a paz e a guerra. Neste momento é tempo para dialogar.

Fez sentido o tempo da guerra?
Quando se tem uma grande vontade de atingir um determinado objectivo, tem de se ser muito determinado e mobilizar os meios necessários para atingir o objectivo. É como numa operação militar.

Portanto, estamos a falar da avaliação dos professores.
Isto não se aplica só à educação, é para quando se tem uma política pública para atingir um determinado objectivo. Quando esse objectivo leva a que se criem condições tão negativas, o objectivo passa a ser secundário em relação a ter o sistema a funcionar minimamente. Se queremos reformas na área da saúde ou educação, não podemos separar-nos completamente dos protagonistas que estão no terreno, porque são eles que vão dar corpo ao que se pretende fazer.
Temos um conjunto de professores que fazem todos os dias o milagre de fazer funcionar muito bem as escolas públicas e privadas. Para que esses professores mantenham a sua capacidade e empenho no que fazem têm que ter estabilidade.
Um estudo feito há uns anos sobre o stress dos professores mostrou que um dos factores é a contínua mudança de regras, obrigando a uma sobrecarga de preenchimento de papéis. A certa altura, têm dificuldade em acomodar essas mudanças e as escolas têm de ser verdadeiras organizações. Há ainda um número significativo de escolas sem liderança, equipa formada, objectivos definidos e meios mobilizados. As escolas vão ter de ser autónomas, por definição.

É o caminho que se está a traçar?
Acho que é acolhido por todos os grandes actores - câmaras, ministério, professores, sociedades científicas.

Deve-se primeiro autonomizar as escolas e depois tratar da avaliação dos professores?
Não. Pode ser concomitante. Mas temos de ter noção que quando se aplicam políticas públicas, o decisor político tem de ter meios e aliados.

E o que faltou nestas reformas? Os meios ou os aliados?
Os aliados. A certa altura, não havia aliados. A questão dos aliados é absolutamente fundamental.

Está a falar dos professores.
Quando no Governo, há dez anos, travámos a batalha pelas propinas, não era possível ter, ao mesmo tempo, uma "guerra das propinas" e uma guerra com os professores. Em termos políticos, temos de definir o objectivo a atingir, os meios de que dispomos e os aliados.
Se o poder político tem toda a gente contra, pode ter a maior das razões nas políticas que quer fazer, mas fica completamente isolado e a certa altura cai. E isto tem um aspecto muito negativo: quando se volta, não se fica no mesmo ponto. Em vez de um passo à frente, deram-se dois atrás.

Foi o que aconteceu na avaliação dos professores?
O entendimento que resultou da última fase de diálogo intenso entre o ministério e as organizações sindicais salvou o essencial, que é a existência de um sistema de avaliação dos professores. Salvar a ideia da avaliação pareceu-me absolutamente essencial para estabilizar o sistema.

Marçal Grilo em Entrevista ao Público, 25.5.2008

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