Criar uma cultura da verdade

Coloco aqui um excerto de um texto do cirurgião cardíaco e professor na Universidade de Lisboa, José Fragata, que a par do exercício da medicina, da investigação e do ensino nesta área, tem-se interessado pela avaliação do desempenho profissional, em particular pela análise dos erros humanos e sua gestão. Sobre esta temática tenho aqui afixado vários textos sobre o erro no desempenho profissional, dos quais destaco a Organização da escola e erro do ensino: uma situação dilemática. Um texto que vale a pena (re)ler tendo em conta a temática mais actual da avaliação do desempenho docente.

Vejamos o que pensa o Professor José Fragata sobre a necessidade de se criar a nível das instituições
Uma cultura de verdade e qualidade. Errar e reconhecer o erro e a tentativa permanente de retomar o bom caminho na procura de novas soluções, é um extraordinário contributo para o desenvolvimento pessoal e profissional de qualquer ser humano.


“(…) a identificação do erro está sempre ligada à existência de um plano e à incapacidade não propositada de o conseguir; e que há erros que são cometidos por pessoas honestas – os erros honestos –, que podem ter uma componente humana ou de organização; e há erros que decorrem da violação das boas regras de fazer - erros por negligência ou violação.

(…)

Porque é que erramos e como é que erramos?

Edgar Morin afirmava, no seu Paradigma Perdido, que a tentativa e o erro permitia à espécie desenvolver-se, estando, assim, indissociavelmente ligada à nossa humanidade. De qualquer maneira, no quadro técnico, os erros implicam sempre a existência de um plano detalhado que implica as fases de planear, armazenar e executar e é, fundamentalmente, nesse plano que se deve pressupor a evitabilidade.

Estima-se que, quando ocorre um determinado erro exista uma componente de acção individual, por actos honestos ou por negligência, que corresponde a cerca de 60-65% das causas de acidente e uma componente institucional (desenho da estrutura física ou organizacional), que corresponde a cerca de 35% dessas causas. Há aqui um pilar intermédio, a equipa de trabalho (o seu contexto, a comunicação, as hierarquias, a liderança) que inclui uma componente individual e uma componente organizacional.

A performance humana é sempre algo imprevisível, uma vez que depende da destreza, da aplicação certa de regras, do conhecimento, da capacidade de decisão. Mas é preciso termos consciência de que todo o erro implica ou deve implicar compensação. Deste modo, quando erramos e reconhecemos que erramos há um balanço de utilização de conhecimentos e de exploração de novas soluções, e é dessa utilização balanceada, que resulta a capacidade de recuperação do erro.

Se, como dissemos, a performance não depende só do factor humano, mas também da instituição, o seu papel é fundamental na prevenção e recuperação dos erros. Assim, deve ser dada particular atenção ao desenho do sistema, aos turnos, à distribuição de tarefas, ao hardware, às instalações, aos protocolos e normas, à liderança, à monitorização de controlo de qualidade, à própria política de gestão de erro, etc. Todo o sistema deve evoluir no sentido da simplificação, da veiculação de informação, da definição de tarefas, da redução de passos de transmissão humana, da existência de check-lists, isto tudo com vista a agilizar a performance, e tornar-se mais seguro. Como disse James Reason “se não podemos mudar a condição humana, podemos mudar as condições sob as quais os humanos trabalham”.

Para compreender melhor este aspecto, recorro à teoria deste autor, que descreve a existência nos sistemas de falhas activas, ou actos pouco seguros, lapsos, enganos ou violações e falhas latentes ou patogénios residentes que são as decisões superiores, a inexistência de normas e a ausência de defesas mais ou menos eficazes. Quando alguns “buracos” surgem e se alinham numa trajectória então, acontece um acidente que, em geral, é causado por factores humanos aliados a factores organizacionais.

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