A avaliação do desempenho dos profissionais da educação: qual a questão de fundo?


Por Manuel Matos
FPCE da Universidade do Porto


A avaliação do desempenho vem constituindo um verdadeiro braço de ferro entre o Ministério da Educação e os professores. As razões deste confronto são conhecidas, embora nem sempre nesse confronto sejam devidamente ponderados os múltiplos aspectos de que se revestem. Crê-se ser indispensável para a formulação de um juízo ético, minimamente exigente, distinguir o essencial do acidental.

Enquanto serviço público, pago pelas contribuições dos cidadãos, é da mais elementar justiça cívica que o trabalho dos profissionais da educação possa ser objecto dum juízo crítico (positivo ou negativo) por parte de quem representa legitimamente o interesse público, neste caso o próprio Ministério da Educação. Trata-se, no fundo, de reconhecer e aceitar o princípio da contratualidade política como a base da democracia moderna.

Admite-se assim – e os profissionais da educação não o têm contestado - que os efeitos derivados da qualidade da avaliação se repercutam na qualidade da carreira dos docentes de modo a verificar-se uma correspondência essencial entre o valor do trabalho subjectivamente produzido e o valor do seu significado pedagógico e social, traduzido num determinado momento da carreira profissional a que se pode ter acesso.

Para que seja possível operacionalizar este princípio, tem-se como indispensável a existência de duas condições: a primeira é que a natureza da carreira seja formalmente a mesma e a segunda, que todos os profissionais possam aceder a ela, desde que satisfaçam no plano profissional, isto é, do ponto de vista da qualidade do trabalho produzido, as condições exigidas para a respectiva progressão.

Ora, o que parece estar em causa no confronto a que vimos assistindo é, justamente, a alteração destas condições. Na verdade, a finalidade máxima da avaliação já não tem como primeira preocupação assegurar a correspondência entre a qualidade do trabalho produzido e a qualidade da carreira, mas, antes, controlar administrativamente o acesso a determinados patamares profissionais, tendo em vista a obediência a critérios económicos e financeiros. Subsidiariamente, associa-se a esse controlo administrativo uma alteração do perfil profissional dos docentes contemplados, uma vez que passam a caber-lhes funções eminentemente técnico-administrativas. E porque não políticas?

Como se sabe, a imposição de quotas aos professores titulares não foi minimamente justificada em termos pedagógicos, nem em boa verdade poderia sê-lo, sendo por isso que os critérios de avaliação dominantes, a adoptar em breve, repousam sobre comportamentos profissionais que têm, aparentemente, a vantagem de ser “observáveis” pelos futuros “responsáveis” e que, por isso mesmo, mais se prestam à mistificação e ao equívoco profissional por parte dos “observados”.

Em função desta alteração das condições de desenvolvimento da carreira, há lugar para reconhecer que a vida profissional dos docentes corre sérios riscos de ficar exposta, num futuro próximo, a processos de degradação psicológica e pedagógica acentuada por força de uma nova cultura profissional que será pautada, prioritariamente, por lógicas defensivas cada vez mais estratégicas. No novo contexto profissional em construção, será a competição a ditar os critérios das novas competências, o que fará de cada professor mais um adversário a evitar, que um colega a consultar e a apoiar. Nesta perspectiva, tornar-se-á rotina o que dizia uma colega há tempos, premonitoriamente:

— “Não me apetece falar desta escola. Já conheci outra, onde me sentia feliz porque tinha prazer no que fazia. Discutíamos, ouvíamos... Hoje não se discute, mandam-se bocas. E assim não sei brincar. Apetece-me desistir e investir só nas quatro paredes da sala de aula. (...) Provavelmente serei má professora. Digo muitas vezes não sei, mas a escola que temos não permite que digamos não tenho a certeza, ajuda-me!...”

Esse será o tempo do grau zero da pedagogia. Poderemos, ainda, conjurá-lo?


In a Página da Educação, nº 176, p. 8.
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Nota: Gostaria de ter resposta para esta última interpelação. Não tenho. Tenho Esperança. A Esperança de Voltaire... «Amanhã tudo será melhor». E no que depender de mim, estará...

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