Perigos da Avaliação de Professores III

Como não há dois sem três... aqui fica mais um texto para reflexão sobre os perigos e os limites da avaliação (não restrito à avaliação do desempenho docente, mas em relação à avaliação em geral, em contexto educativo).

Por Domingos Fernandes
Professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa

A avaliação tem limites

Nunca como agora foram tantas as pressões para que, nos mais variados contextos educativos e formativos, se avalie tudo e todos. Daqui e dali surgem verdadeiros kits prontos a usar para avaliar professores, escolas e sistemas educativos. Tudo em nome de uma qualidade que, em rigor, nem sempre é discutida com clareza e com a desejável e necessária profundidade. Há uma corrida à avaliação como se ela fosse a panaceia para os males que apoquentam os sistemas educativos. Num ápice multiplicaram-se as avaliações no seio dos sistemas educativos: das aprendizagens dos alunos, dos desempenhos dos professores e das escolas, dos programas lançados pelas administrações educativas ou dos currículos.

No domínio das aprendizagens dos alunos os esforços de avaliação continuam mais centrados nas avaliações externas (e.g., exames nacionais) e menos nas avaliações internas, da responsabilidade dos professores e das escolas. Há um défice de investimento na avaliação que ocorre nas salas de aula com o propósito de ajudar alunos e professores a aprender e a ensinar melhor. As avaliações externas, por natureza, não têm por objectivo melhorar as aprendizagens dos alunos e, em geral, apresentam limitações várias ao nível pedagógico e também ao nível da sua validade e da sua fiabilidade. Apesar disso, a verdade é que as provas externas continuam a ter um peso significativo na certificação dos alunos porque as sociedades continuam a não conseguir encontrar alternativas credíveis. A substituição de testes por portfolios nalguns estados dos Estados Unidos da América evidenciou problemas (e.g., ausência de equidade, inconsistência dos resultados) aparentemente insuperáveis. A pura e simples abolição dos sistemas de exames nacionais é uma decisão política cujos custos e consequências continuam a ser evitados na generalidade dos países com base numa grande variedade de argumentos, alguns dos quais contraditórios entre si.

Nada tenho contra a instituição de sistemas de avaliação que contribuam para que se compreendam e solucionem os problemas. A avaliação pode ser um poderoso meio de melhoria generalizada das práticas escolares e, consequentemente, das aprendizagens dos alunos. O problema é considerar-se que qualquer avaliação é, em si mesma, uma coisa boa, sem cuidar de perceber que ela não substitui o árduo e difícil trabalho pedagógico dos professores nem os esforços dos alunos para vencer problemas de aprendizagem. É preciso compreender que a avaliação, por si só, não resolve problema rigorosamente nenhum! Uma boa avaliação ajuda-nos a compreender melhor uma dada realidade e pode contribuir para a melhorar e para a transformar. Mas teremos sempre que reconhecer os seus limites e perceber a relevância da utilização que fazemos dos seus resultados. Receio que a avaliação se banalize no pior sentido e se transforme num mero procedimento de controlo burocrático-administrativo, em vez de um poderoso e exigente processo de regulação e de melhoria. E também receio que a avaliação e os avaliadores se tornem numa espécie de juízes, acima de qualquer suspeita e de qualquer escrutínio… Sem quaisquer limites.

Melhorar a vida e o bem estar das pessoas, isto é, contribuir decisivamente para a construção de justiça a todos os níveis e para a implantação de sistemas sociais e políticos plenamente democráticos, é talvez um dos mais prementes desafios às teorias, às práticas e às políticas de avaliação. Conscientes das limitações e dos perigos de olharmos para a avaliação de forma pouco crítica e pouco informada, podemos transformá-la numa importante alavanca de transformação e de melhoria da vida das escolas.

Quaisquer que sejam os desenvolvimentos das políticas educativas poderá ser grave não atribuir uma prioridade clara à melhoria do ensino, das aprendizagens e da organização e funcionamento pedagógico das escolas, através de sistemas de avaliação participada, de natureza essencialmente formativa, capazes de transformar e de melhorar as actuais realidades dos sistemas educativos.

Domingos Fernandes; Jornal "a Página da Educação", ano 16, nº 170, Agosto/Setembro 2007, p. 35.

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