Pedagogices acentuam desigualdades sociais

A propósito do post anterior e de outras tantas “pedagogices” acutilantes que por aí vão minando, nos discursos politicamente correctos, em matéria legislativa e nas escolas, ao contrário do que aparentam ser – “raios de luz”, na prática, mais não contribuem do que para o acentuar as clivagens sociais. A minha esperança é que os bons professores não ponham em prática essas pseudo-pedagogias. Sobre este assunto (sobre o qual já aqui me tenho pronunciado), recupero alguns textos de Desidério Murcho, recentemente publicados no De Rerum Natura(1) Ensino pimba e discriminação social, (2) O aspecto astrológico do "eduquês" e (3) O “eduquês” desmascarado?


Deixo aqui três excertos dos textos supramencionados para os quais remeto para uma leitura integral:

(1) “Uma das estratégias erradas do ensino “pimba” que invadiu o nosso ministério, possivelmente com as melhores intenções, é eliminar tanto quanto possível os conteúdos precisos e bem delimitados dos programas, o que depois acaba por ser reproduzido em muitos manuais. Em vez de conteúdos precisos temos competências vagas, conversas de café sobre o “mundo contemporâneo”, leitura de jornais populares em detrimento de publicações cientificamente sérias, análise de regras de concursos televisivos em vez de literatura de qualidade, etc. Esta estratégia está errada por várias razões, uma das quais é a injustiça social que isto provoca. ”

(2) “O verdadeiro problema é este: a escola não sabe ensinar quem não vem ensinado de casa. Se queremos realmente dar oportunidades na escola a quem não as tem em casa, temos de estimular os estudantes culturalmente mais carenciados para o valor do conhecimento e do estudo. É esta valorização que faz a diferença e que explica que os meninos culturalmente privilegiados tenham prestações escolares muitíssimo melhores. Esses meninos trazem de casa uma valorização do estudo, dos livros, do conhecimento, que os outros não trazem. Mas como a escola também não incute tal valorização — dedicando-se ao invés a pôr ao mesmo nível a análise de regulamentos de concursos televisivos e Os Maias — os estudantes culturalmente desfavorecidos ficam cada vez mais na mesma. Os que vêm motivados de casa para valorizar Os Maias vão dar-lhe importância; os outros, não. E depois uns verificam que têm certos cursos e profissões vedadas, ao passo que os outros têm acesso aberto.”

(3) “Isto pode parecer paradoxal. Mas se a escola deixa de ser cognitivamente exigente e em vez de ensinar matemática a sério ensina brincadeiras vácuas, os estudantes culturalmente carenciados nunca irão contactar com a matemática a sério — mas os outros contactam, claro. Até porque os outros frequentam muitas vezes os melhores colégios privados, ou escolas de excelência, no centro das cidades, que os estudantes culturalmente carenciados não podem frequentar. Quando o sistema educativo em si não é exigente, coloca os estudantes culturalmente mais carenciados em desvantagem relativamente aos estudantes que têm acesso ao ensino de alta qualidade, ao estímulo cognitivo que resulta de um ambiente familiar onde há livros, articulação de ideias, estudo e valorização da escola e do conhecimento.

Para se compreender a mentalidade pedagógica que tem regulado a política educativa nacional é preciso compreender a crença errada que tem animado a sua perniciosa acção ao longo de décadas. Essa crença é de tal forma escandalosamente falsa, que basta formulá-la claramente para toda a gente a negar. A crença é que os filhos das famílias culturalmente carenciadas têm intrinsecamente menos talentos e interesses cognitivos do que os outros. Além de falsa, esta crença é eticamente repugnante porque é “classista”: é ter a crença de que certas classes sociais têm geneticamente mais capacidades cognitivas do que outras.

É esta crença falsa e eticamente inaceitável que explica a ideia querida do “eduquês” nacional: para combater o insucesso escolar, provocado pela massificação do ensino, é preciso baixar os padrões, porque os pobres que invadiram a escola, que era coutada dos ricos, são estúpidos. Não ocorre aos responsáveis pelas políticas educativas dos diferentes ministérios que o problema é a escola não saber ensinar quem não vem ensinado de casa. Não lhes ocorre porque têm a crença de que tais crianças não são genuinamente ensináveis por causa das suas limitações cognitivas. Filho de cigano, de pobre, de negro ou de seja quem for que não tem uma licenciatura não tem talento cognitivo para se interessar pela física quântica nem pela música clássica e por isso nem vale a pena a escola promover tais coisas. E assim se vai desperdiçando talentos que, geneticamente, não escolhem classes sociais.”

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