A violência nas escolas existe, Sr.ª Ministra!

Uma pintura perfeita, de uma imperfeita e desoladora realidade das vivências das nossas escolas. Desta vez nas palavras de uma grande Sr.ª da Literatura Portuguesa, a escritora Alice Vieira, num artigo publicado, hoje, no Jornal de Notícias.
Violência nas escolas
LI NUM JORNAL que a senhora Ministra da Educação está contente. E, quando os nossos governantes estão contentes, é como se um sol raiasse nas nossas vidas.
E está contente porque, segundo afirmou, a violência nas escolas portuguesas afinal não existe.
Ao que parece andamos todos numa de paz e amor, lá fora é que as coisas tomam proporções assustadoras, os nossos brandos costumes continuam a vingar nos corredores de todas as E B, 2/3, ou como é que as escolas se chamam agora.
Tenho muita pena que os nossos governantes só entrem nas escolas quando previamente se fazem anunciar, com todas as televisões atrás, para que o momento fique na História. É claro que assim, obrigada, também eu, anda ali tudo alinhado que dá gosto ver, porque o respeitinho pelo Poder é coisa que cai sempre bem no coração de quem nos governa, e que as pessoas gostam de ver em qualquer telejornal.
Mas bastaria a senhora Ministra entrar incógnita em qualquer escola deste país para ver como a realidade é bem diferente daquela que lhe pintaram ou que os estudos (adorava saber como se fazem alguns dos estudos com que diariamente se enchem as páginas dos jornais) proclamam.
É claro que não falo daquela violência bruta e directa, estilo filme americano, com tiros, naifadas e o mais que houver.
Falo de uma violência muito mais perigosa porque mais subtil, mais pela calada, mais insidiosa.
Uma violência mais ”normal”.
E não há nada pior do que a normalização, do que a banalização da violência.
Violência é não saberem viver em comunidade, é o safanão, o pontapé e a bofetada como resposta habitual, o palavrão (dos pesados…) como linguagem única, a ameaça constante, o nenhum interesse pelo que se passa dentro da sala, a provocação gratuita (“bata-me, vá lá, não me diga que não é capaz de me bater? Ai que medinho que eu tenho de si…”, isto ouvi eu de um aluno quando a pobre da professora apenas lhe perguntou por que tinha chegado tarde…).
Violência é a demissão dos pais do seu papel de educadores - e depois queixam-se nas reuniões de que “os professores não ensinam nada”.
Porque, evidentemente, a culpa de tudo é sempre dos professores - que não ensinam, que não trabalham, que não sabem nada, que fazem greves, qualquer dia - querem lá ver? - até fumam…
Os seus filhos são todos uns anjos de asas brancas e uns génios incompreendidos.
Cada vez os pais têm menos tempo para os filhos e, por isso, cada vez mais os filhos são educados pelos colegas e pela televisão (pelos jogos, pelos filmes, etc.). Não têm regras, não conhecem limites, simples palavras como “obrigada”, “desculpe”, “se faz favor” são-lhes mais estranhas que um discurso em chinês - e há quem chame a isto liberdade.
Mas a isto chama-se violência. Aquela que não conta para os estudos “científicos”, mas aquela de que um dia, de repente, rompe a violência a sério.
E então em estilo filme americano.
Com tiros, naifadas e o mais que houver.
Alice Vieira, Jornal de Notícias (on-line), 9 de Dezembro de 2007
Violência nas escolas
LI NUM JORNAL que a senhora Ministra da Educação está contente. E, quando os nossos governantes estão contentes, é como se um sol raiasse nas nossas vidas.
E está contente porque, segundo afirmou, a violência nas escolas portuguesas afinal não existe.
Ao que parece andamos todos numa de paz e amor, lá fora é que as coisas tomam proporções assustadoras, os nossos brandos costumes continuam a vingar nos corredores de todas as E B, 2/3, ou como é que as escolas se chamam agora.
Tenho muita pena que os nossos governantes só entrem nas escolas quando previamente se fazem anunciar, com todas as televisões atrás, para que o momento fique na História. É claro que assim, obrigada, também eu, anda ali tudo alinhado que dá gosto ver, porque o respeitinho pelo Poder é coisa que cai sempre bem no coração de quem nos governa, e que as pessoas gostam de ver em qualquer telejornal.
Mas bastaria a senhora Ministra entrar incógnita em qualquer escola deste país para ver como a realidade é bem diferente daquela que lhe pintaram ou que os estudos (adorava saber como se fazem alguns dos estudos com que diariamente se enchem as páginas dos jornais) proclamam.
É claro que não falo daquela violência bruta e directa, estilo filme americano, com tiros, naifadas e o mais que houver.
Falo de uma violência muito mais perigosa porque mais subtil, mais pela calada, mais insidiosa.
Uma violência mais ”normal”.
E não há nada pior do que a normalização, do que a banalização da violência.
Violência é não saberem viver em comunidade, é o safanão, o pontapé e a bofetada como resposta habitual, o palavrão (dos pesados…) como linguagem única, a ameaça constante, o nenhum interesse pelo que se passa dentro da sala, a provocação gratuita (“bata-me, vá lá, não me diga que não é capaz de me bater? Ai que medinho que eu tenho de si…”, isto ouvi eu de um aluno quando a pobre da professora apenas lhe perguntou por que tinha chegado tarde…).
Violência é a demissão dos pais do seu papel de educadores - e depois queixam-se nas reuniões de que “os professores não ensinam nada”.
Porque, evidentemente, a culpa de tudo é sempre dos professores - que não ensinam, que não trabalham, que não sabem nada, que fazem greves, qualquer dia - querem lá ver? - até fumam…
Os seus filhos são todos uns anjos de asas brancas e uns génios incompreendidos.
Cada vez os pais têm menos tempo para os filhos e, por isso, cada vez mais os filhos são educados pelos colegas e pela televisão (pelos jogos, pelos filmes, etc.). Não têm regras, não conhecem limites, simples palavras como “obrigada”, “desculpe”, “se faz favor” são-lhes mais estranhas que um discurso em chinês - e há quem chame a isto liberdade.
Mas a isto chama-se violência. Aquela que não conta para os estudos “científicos”, mas aquela de que um dia, de repente, rompe a violência a sério.
E então em estilo filme americano.
Com tiros, naifadas e o mais que houver.
Alice Vieira, Jornal de Notícias (on-line), 9 de Dezembro de 2007
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Nota: A propósito deste artigo, Alice Vieira oferece um exemplar autografado do seu livro (poesia) “Dois corpos tombando na água” ao autor do melhor comentário (a este texto) que venha a ser afixado no blog sorumbático até às 20h do dia 12 (4ªfeira).
Comentários
Retratou fielmente a realidade das nossas escolas. Só que com alguma brandura... porque acontecem coisas bem piores do que aquelas que retratou.
A demissão parental é um caso muito preocupante! Aliás qualquer tipo de demissão o é! É o acto que melhor reflecte a incompetência!
As nossas crianças, adolescentes... os seus comportamentos são o reflexo do que lhes ensinam desde tenra idade. A ausência de regras e de valores, na família, na sociedade e na escola traduzem-se claramente no aumento da indisciplina e da violência nas escolas.
A aprendizagem por modelação penso que será o caminho... pena é que os modelos são cada vez mais escassos quer na família, quer em outros lugares (pelo menos os bons modelos).