A educação em retrospectiva e em recortes

Uma análise feita por Rui Baptista e publicada hoje no De Rerum Natura e que vale a pena ler. Aqui fica:

A educação em balanço de final de ano

“Num país onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital deveras produtivo é a falta de vergonha e de escrúpulos, o diagnóstico impõe-se per se” (Manuel Laranjeira, 1908).
Mesmo o comum dos mortais sabe que perante qualquer estado mórbido existem, pelo menos, duas etapas indissociáveis e de cumprimento obrigatório para o debelar: diagnóstico e terapêutica.
No que respeita às entidades directamente responsáveis pela educação, as respectivas maleitas têm permanecido na penumbra oficial com a excepção da actual responsável pela pasta da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, ao assumir publicamente que o relatório da OCDE [sigla da “Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos”, com o objectivo de “fomentar o desenvolvimento da investigação e formação nos domínios científico e tecnológico”] sobre o sector "não traz novidades” para Portugal e que os dados são “preocupantes” (“Público”, 15.Set 2005). Daqui saúdo a assunção pública de uma preocupação, mas reprovo o facto de os dados continuarem a ser tanto ou mais inquietantes volvidos mais de dois anos por não se ter passado de um simples diagnóstico a uma adequada terapêutica.
De há anos a esta parte, numa meritória acção de cidadania, personalidades do mundo científico, cultural e político não se têm eximido de denunciar o estado caótico da educação. Denúncia que, pelos vistos, cai sempre em saco roto! Neste final de ano de 2007 recordo, sem qualquer preocupação cronológica, alguns desses diagnósticos em banho-maria na procura de soluções:
- “De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acreditar na realidade, o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicados” - António Guterres.
- “Estamos a formar não um país de analfabetos, como até aqui, mas um país de burros diplomados” – Francisco Sousa Tavares.
- “As políticas educativas seguidas nos últimos 15 anos foram um desastre. Os resultados estão à vista. Lemos nos jornais e constatamos que a educação está na rua, na lama da voz pública.” – Manuel Ferreira Patrício.
- [A educação] “é um desastre completo. Nem daqui a 30 ou 40 anos nos livramos dos erros que andamos a fazer hoje” – Silva Lopes.
- “A escola que temos não exige a muitos jovens qualquer aproveitamento útil ou qualquer respeito ou disciplina. Passa o tempo a pôr-lhes pó de talco e a mudar-lhes as fraldas até aos 17 anos. (…) Vão para a universidade mal sabendo ler e escrever e muitas vezes sem sequer conhecerem as quatro operações” – Vasco Graça Moura.
- “Por força de um atraso ancestral, a necessidade de uma escola qualificada que dê lugar a uma sociedade desenvolvida não está suficientemente clara na mente das pessoas. A escola, a boa escola, não ocupa ainda o lugar a que tem direito” – Carlos Fiolhais.
- “É indesculpável que um professor - qualquer professor! - não saiba escrever, cometa erros de ortografia graves, tenha limitações sérias no vocabulário, não faça ideia do que é a lei da queda dos graves, não saiba somar fracções ou confesse ‘horror à matemática’” – Nuno Crato.
- “Estão-se a formar ignorantes às pazadas” – Medina Carreira.
- “Devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável” – Maria Filomena Mónica.
- “A ideia de democratizar o ensino superior pela via da banalização do acesso e pela crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior, é também politicamente pouco honesta” – Vital Moreira.
É esta a educação que temos com semelhanças à dos tempos de Platão que, quando confrontado com a incapacidade das crianças em contarem e distinguirem os números pares dos ímpares, afirmou com desalento: “Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com homens, e sinto-me envergonhado não só de mim mas de todos os gregos!” É esta a educação que devemos continuar a tolerar?
Neste final de ano, mais do que tolerá-la se deseja que delas se orgulhem todos os portugueses por, segundo o primeiro responsável pela governação de Portugal, “termos mais de 17% de alunos no ensino superior e 360 mil portugueses que, estando a trabalhar ou à procura de emprego, decidiram inscrever-se no programa Novas Oportunidades para melhorarem as suas classificações” (“Lusa”, 25.Dez.2007). Um autêntico país das maravilhas não se desse o caso de nessa percentagem estarem incluídos os que tiveram acesso a ensino superior por serem maiores de 23 anos, ou seja em situações em que a simples data de nascimento se fez substituta do exigente 12.º ano do ensino secundário, e de nas Novas Oportunidades “os frequentadores da escola terem uma vontade incrível de não aprender e não deixar aprende” (“Expresso”, 8.Dez.2007).
E se, para Woody Allen, “o político de carreira é aquele que faz de cada solução um problema”, a solução para as declaradas deficiências do sistema educativo nacional têm tido guarida em acrescentar-lhes novos problemas dando-lhe o nome de soluções. Foi esta uma parte da mensagem natalícia de esperança no futuro da educação; “ resto da mensagem foi José Sócrates a dizer bem dele mesmo e das suas políticas” (“Público”, 26.Dez.2007).
Ps: Por lamentável omissão, não incluí entre as personalidades que têm denunciado o estado caótico da Educação, a opinião do respeitado sociólogo e académico António Barreto:
"(...) fazer entrar o maior número de estudantes, sem consideração pelo mérito; formar técnicos de medíocre qualidade, sem zelar pela qualidade das instituições; libertar os docentes da tarefa de seleccionar; e transmitir à população a ideia de que o acesso à universidade é um direito de todos, tal como a protecção na doença e na velhice" - Rui Baptista, "Do Caos à Ordem dos Professores", edição do SNPL, Janeiro 2004, p.41.
Com o pedido de desculpas e porque, como diz o povo, mais vale tarde do que nunca, aqui fica a necessária e mais que justa correcção.
Rui Baptista
30 de Dezembro de 2007 22:10

Comentários

Rui Baptista disse…
Grato pela transcrição do meu post. Por dever de consciência, acabo de lhe acrescentar um comentário com a transcrição da opinião de António Barreto sobre o estado do sistema educativo, que eu adjectivei como caótico. Votos de um melhor ano para todos os professores e, em especial, para si.
Fátima André disse…
Rui

Eu é que lhe agradeço a oportunidade de ler os excelentes textos que escreve para o De Rerum Natura.
Obrigada pela atenção em me avisar das correcções que fez ao seu texto. Farei um Ps para as acrescentar também.
Muito obrigada pelos votos de bom ano. Retribuo com votos de um ano de 2008 repleto de realizações pessoais e profissionais.
Cordiais saudações.

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