Mediação em Educação

A problemática da indisciplina e violência na escola é incontornável nos tempos que correm e, por isso, temos que procurar alguns caminhos possíveis para atenuar ou resolver os problemas com que somos confrontados diariamente nas escolas. Um desses caminhos é o da Mediação, onde a figura do Mediador tem um papel determinante. Mas sem antes falar desses papéis, importa perceber um pouco o seu enquadramento conceptual.
Deixo aqui um excerto de um artigo mais alargado sobre o tema em análise, publicado em 2005 na Revista de Estudos Curriculares de Ana Paula Caetano [1].


Mediação em educação – conceitos e concepções paradigmáticas

Para a organização de uma breve reflexão sobre o conceito de mediação em educação, parto de alguns lugares comuns, pressupostos de muitas conceptualizações sobre este tema, para os problematizar.

É comum dizer-se, a propósito da mediação, que se trata de um processo no qual um terceiro, sem poder para além do que lhe reconhecem os mediados, sem faculdades de decisão, neutro e independente, intervém com uma missão específica (Guillaume-Hofnung, 2000), nomeadamente de ajudar as partes a resolver os seus conflitos (San Marin, 2003). Vemos, assim, que o conflito não faz necessariamente parte do conceito de mediação, podendo esta visar, tão somente, o desenvolvimento de relações, por um terceiro.

Esta é uma definição que não é, no entanto, consensual, havendo uma grande polissemia de conceitos e de concepções subjacentes. Trata-se de uma polissemia de concepções e de uma heterogeneidade de práticas que é, em certa medida, resultado de uma negligência conceptual e de uma utilização pouco cuidadosa e facilitista, o que põe em perigo e desacredita a própria mediação. No seu pior, surgem práticas ditas de mediação, operadas por mediadores institucionais ou por mediadores informais, que se advogam de gurús moralizadores, usando e abusando do seu poder e criando assimetrias para procurar unicamente o controle social ou o seu proveito pessoal, através de procedimentos estandardizados ou de formas de arbitragem encapotadas. Em paralelo, surgem perspectivas de mediação que alargam o conceito de mediação e que a integram num “processo cooperativo de gestão de conflitos entre diferentes actores de uma comunidade educativa” (Souquet, 1999:231), sendo muito mais do que uma técnica alternativa para resolver conflitos, enquadrando-se numa cultura de cidadania activa e de paz.

Estas dimensões podem ser enquadradas por uma visão mais ampla, que conceptualiza diversos paradigmas de mediação e que tem repercussões sobre a forma como outras questões são consideradas. Diversos são os modos de conceptualizar estes diferentes paradigmas, mas “grosso modo” os diversos autores, usando diversas terminologias, apontam para as mesmas grandes perspectivas, pelas quais a mediação pode ser equacionada.

Entendendo a mediação num quadro de resolução de conflitos, Fried Schnitman (1999) faz referência a um conjunto de paradigmas que são “alternativos à confrontação, ao paradigma ganhar-perder, à disputa e ao litígio” e que se direccionam “para a co-participação responsável, admitem a consideração e o reconhecimento da singularidade de cada participante no conflito, consideram a possibilidade de ganhar conjuntamente, de construir o comum”, favorecendo “o respeito às diferenças, a coordenação na complexidade e a contradição, a estruturação de acordos e a construção cultural de práticas democráticas não restritas exclusivamente a “experts” (pp.17-18). Afastando-se dos modelos tradicionais de resolução de problemas e de conflitos, como a arbitragem, a conciliação, a negociação ou a terapia, propõem o diálogo e a restituição reflexiva do poder às pessoas, grupos e comunidades, apoiando-se em abordagens construtivistas e construcionistas. Aqui, pode-se identificar uma pluralidade de perspectivas, tais como as perspectivas epistémica, dialógica, argumental, geradora, de desempenho, narrativa, transformadora (p.25), Alguns autores optam por considerar um grande modelo alternativo, que passo a designar de construtivista e que, de algum modo, integra estas variantes. Aqui distingo Tricoire (2002) por me parecer um dos que mais longe leva a reflexão crítica acerca dos modos dominantes de perspectivar a mediação, apresentando alternativas que se enquadram na abordagem da complexidade. Este autor distingue entre mediação de primeira ordem e mediação de segunda ordem (à semelhança da distinção entre a primeira e a segunda cibernética), para além de considerar um outro modelo que se afasta da mediação, mas que é muitas vezes confundido com ela e que designa de peritagem. Na mediação de primeira ordem, domina uma perspectiva tecnocrática, em que se pretende que os problemas sejam bem identificados, apresentados nos seus contornos definidos, segundo um processo animado por uma ética do contrato, por uma dialéctica de contradições e de procura de sínteses reconciliadoras e por um método rigoroso, baseado num modelo sistémico de intervenção a curto prazo (identificação do problema, sua história e suas causas, estabelecimento de objectivos alternativos tangíveis e sua concretização e avaliação de resultados). Neste processo o mediador é um terceiro que se mantém neutral. Por outro lado, na mediação de segunda ordem, baseada nos modelos construtivistas, o mediador é também actor e autor dos processos em que se envolve, correndo o risco de utilizar aquilo que não sabe e aquilo que é a sua experiência de interacção singular com a situação, para abrir as possibilidades que não existiam no início. Afasta-se, pois, de uma posição de neutralidade e a ética do contrato dá lugar a uma “ética do dom” (Tricoire, 2002: 46). Assim, mais do que procurar respostas ou soluções de compromisso procurará favorecer a emergência de questões que facilitem o desenvolvimento da auto-reflexividade e auto-referenciação de todos e de cada um (nos quais ele se inclui). Os encontros problemáticos que ocorrem fazem emergir racionalidades múltiplas e mobilizam os saberes práticos necessários a um processo que opera na incerteza e que se vai construindo pela invenção e pelo tacteio, dentro de um clima de confiança.

Também Fried Schnitman (1999), ao defender e aprofundar uma perspectiva geradora, que acentua a criação de um campo de novas possibilidades, através da criação de redes de diálogo e de construção narrativa, remete para a ideia de um terceiro incluído que, dentro do sistema, colabora no processo construtivo de criação, inserido em equipes de investigação-acção colaborativas, constituídas por mediadores e participantes. Aqui, para além de compromissos que parcialmente respondem a cada participante, admite-se a manutenção das contradições, quer expressas diferentemente e reenquadradas em formulações alternativas, quer transcendidas pragmaticamente mas não cognitivamente, quer ainda toleradas e entendidas como uma riqueza decorrente da diversidade (pp. 114-116).

Consonante com esta visão e orientada por uma perspectiva da complexidade, entendo que num processo de mediação se utilizem também modos pré-concebidos e métodos de resolução a curto prazo, desde que integrados numa perspectiva mais ampla, onde todos são autores criativos de um processo singular que emerge do diálogo, da reflexão em acção e da investigação. Também aqui podem confluir diversas variedades de mediação, orientadas, quer para o desenvolvimento da relação e a gestão das diferenças, que cria ou recria os laços existentes, quer para a gestão dos diferendos, numa perspectiva curativa ou preventiva ou transformadora (Six, 2003, Jares, 2002, Guillaume-Hofnung, 2000). Trata-se de uma multiplicidade de mediações que se perspectivam num quadro que aceita e promove as complementaridades contraditórias, ao invés de orientar para escolhas dicotómicas, ou para uma lógica aditiva (Correia e Caramelo, 2003). Assim, as dimensões da relação e da transformação poderão coexistir numa dialógica recursiva e interpelante, em “modalidades de envolvimento onde seja possível conjugar as competências produzidas no militantismo comunitário com aquelas que estruturam as “novas figuras profissionais” intervenientes no local” (Correia e Caramelo, 2003:182). Tanto ou mais do que criar dispositivos formais de mediação, interessa desenvolver um “espírito mediativo” que “requer a incorporação de categorias de pensamento complexo para entender o que tendemos a simplificar e que procura o aproveitamento dos microespaços que a instituição deixa livres para introduzir práticas concretas de participação e de trabalho mediativo, independentemente da emergência do conflito” (Corbo Zabatel, 1999:148). Aqui, a mediação tende a ser vista não apenas como um meio, mas como um fim em si mesma, um fim na medida em que for entendida como um símbolo do que reúne (Six, 2000:112) e não apenas como uma técnica de gestão de conflitos.
[1] Professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
Bibliografia:
Caetano, Ana Paula (2005). Mediação em educação: da conceptualização e problematização de alguns lugares comuns à modelização de casos específicos, In Revista de Estudos Curriculares, ano 3, nº 1.

Comentários

Paideia disse…
Então, vamos conhecer-nos, pq eu vou apresentar 1 comunicação.
:)
Fátima André disse…
Penso que se está a referir ao XVI Colóquio da AFIRSE que irá decorrer em Lisboa na FPCE de 21 a 23 de Fevereiro de 2008 e cujo tema é exactamente este: "Tutoria e Mediação. Novos desafios em Investigação Educacional".
Vou ver se consigo ir a algumas conferências e/ou comunicações... este é um tema que me interessa particularmente em termos profissionais e investigativos.

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